quinta-feira, 29 de março de 2012

Crônica - Ano V - Nº 180 - "Mais no menos"

Grandes descobertas cruzaram meu caminho ao começar a lecionar e voltar para minhas origens, nos últimos anos. A vocação como professor e o trabalho feito especialmente com a garotada aqui da periferia não tem preço, e hoje confesso não trocá-lo por nada. A descoberta das ruas de meu bairro, o simples hábito de ir ao mercadinho da esquina ou bater papo com o pároco do bairro após a Missa. Ou simplesmente ver o pôr-do-sol da laje de casa...


Um grande amigo meu gostava de afirmar que "tem mais quem precisa de menos". E é justamente esse mais no menos que gostaria de falar um pouco aqui nessa nova crônica.


O mundo e as pessoas atualmente vêm sendo medidas em suas posses e status quo: o carro que se tem, o salário ou cargos que ocupa, seus títulos, posses, façanhas. Um recente programa de televisão que chocou muita gente mostrou essa necessidade ávida por ostentar até mesmo a marca de água que se bebe. Curiosamente, foi um programa que deixou audiência marcante, inclusive entre as classes sociais mais carentes. Certo jogador de futebol chorou as mágoas por sofrer uma redução de salário de 10 mil reais e passar a ganhar "apenas" 50 mil. Hoje não basta ter um celular ou uma câmera: eles precisam ser do último modelo, que daqui a dois anos será trocado, e mais dois anos, dois, dois... mais consumismo. Mais ostentação.


Entretanto a pergunta que hoje muitos se fazem (e eu me fiz nesses últimos tempos) é: "para quê?". Ou ainda: "para quem?". Quem serão os herdeiros desses passos tomados em minha vida, em nossas vidas? O que vai me fazer mais feliz nesse instante? OU melhor: será que só consigo ser feliz com muito, e não com pouco? Aliás, com o suficiente?


Não se trata aqui de fazer uma apologia à miséria, ou pusilanimidade (que é o medo de se conseguir mais, quando se tem capacidade disso). A apologia que se faz nestas linhas é a da sobriedade: saber tirar a alegria dos pequenos gestos e detalhes, sem precisar do muito, do excessivo ou que chama a atenção para ser feliz. Certa vez, num campinho de futebol, alguns garotos chutavam uma bola furada, brincando com a maior felicidade do mundo, sem precisar de um campo gramado ou chuteira Nike. Já outro dia desses, um colega acabou por "espanar" em seu serviço devido ao excesso de trabalho, para simplesmente acrescentar poucos reais ao seu contracheque : trabalhou dias e noites a fio, e viu seu tempo para outras coisas ir embora... e seu dinheiro para os remédios. A vida e sua alegria, seu sorriso, não estão atrelados a uma ostentação barata que nosso sistema econômico e burocrático cada vez mais nos quer inculcar. Muitas vezes, é exatamente o contrário: nossa felicidade pode estar em ir na contramão desse sistema selvagem, colocando nossos motivos pra sorrir em pequenos momentos do dia: um livro, uma paisagem, uma cena, a gratidão daqueles com quem trabalhamos, um sorriso...


Não é à toa que a moda retrô é febre entre todos, em diversos segmentos. Essa moda retrô também vem chegando aos corações do ser humano. Muitos só acordam no final da vida que o ter para nada servia se ele não desse resposta para as perguntas formuladas cima. O ter ganha sentido ao vermos o mesmo refletido nos outros e para os outros, antes de tudo. O prazer de ser professor, antes de tudo, reside naqueles que receberão o fruto de nossos esforços, ou seja, os alunos. Assim como nossos sentimentos, nossos esforços, nossos títulos: eles pouco valerão ou terão o sentido correto se eles estiverem direcionados somente para nós mesmos. Agora, quando em tudo que fazemos olhamos de maneira tridimensional, observando a verdadeira essência e sentido dessas ações e posses, como a felicidade fica próxima. É mais, muito mais, no menos.


Convido a todos a refletir, nessa crônica: será que na verdade, ao invés de precisar de mais... não estamos precisando de menos? Em olhar com mais carinho aquilo que nos é tão simples, e ao mesmo tempo, tão encantador, e que em nada deixa a desejar ao excesso e suntuosidade? Talvez aí, quando a humanidade espalhar cada vez mais esse segredo em voz alta, que a crise mundial tem solução nas coisas mais simples da vida, seremos pessoas menos presas ao ter e nos voltaremos mais ao ser, aos seres, para aquilo que eles - nossos próximos - mais precisam nesse momento. Que de repente não é uma joia cara, mas sim um sorriso ou uma companhia. E a humanidade será mais solidária.


Sim, temos jeito. Pra começar, olhando o mais em nossos menos. Exatamente como fiz aqui em meu bairro, e não troco por nada nesse mundo, pois achei o tesouro escondido aqui em meu cantinho, em minha profissão, em meus amigos: a felicidade.
       
São Paulo, 28/03/2012. W.E.M.

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