domingo, 19 de fevereiro de 2012

Crônica - Ano V - Nº 178 - "A acidez"

Primeiramente, nesta crônica quero muito agradecer a todos os amigos pelas centenas de mensagens carinhosas em razão de meu aniversário. Sempre é muito bom sentir-se querido pelos amigos, parentes, alunos... e será essa energia, como sempre foi, um motor para essa nova idade que começa.

Agora, quero falar a respeito do título da crônica. A acidez. Acidez, lembrando as aulas de Química na escola, refere-se a toda substância capaz de liberar íons H+, e que tem alto poder de reação com outras substâncias. Os ácidos também remetem ao sabor azedo (o vinagre, por exemplo). E o gosto azedo acaba por dar o significado popular de ácido para as pessoas: uma pessoa ácida é uma pessoa que possui essas características da acidez: capazes de reagir com força ao que estão à sua volta, e que possuem um azedume natural.

Escolhi o tema da acidez para essa crônica justamente devido à época do Carnaval: é muito comum, ao ver comentários de notícias sobre o Carnaval, observar pessoas utilizando de sua acidez para criticar a festa e os foliões: "puxa, se o Brasil tivesse essa energia para combater a corrupção"; "nossa, esse dinheiro desse desfile de escola de samba poderia ser investido em saúde"; "carnaval é política do pão e circo", entre outros comentários, pipocavam pela internet e pelas ruas.

Entretanto, o que não podemos fazer é jogar a água com o bebê dentro, como diz o ditado. Realmente, o Carnaval convida a uma reflexão sobre as injustiças sociais. É complicado pensar nas fantasias luxuosas, em contraste com muitos que nesse exato instante de folia estão passando por privações, ou é dose ainda pensar que vários corruptos de diversos setores podem estar nesse exato instante brindando com champanhe às nossas custas e rindo de nossa cara. Só que muitos dos que hoje estão pulando e se divertindo com os amigos são pessoas que jamais se esqueceram dos seus próximos: possuem valores, cuidam de muita gente carente (e não carente - quem disse que carinho e atenção é algo somente para os mais pobres ou desconhecidos? Isso dá crônica, prometo fazê-la!), fazem de tudo para que esse lugar seja um lugar melhor pra se viver, e talvez nesse exato instante de folia estejam pensando nisso, conduzindo uma festa e momentos de diversão com seus parentes, amigos e conhecidos. Lembro-me de uma história que contavam sobre Santa Teresa (minha"ídola"): certa vez, um sacerdote "caxias" foi ao seu convento e chegou bem na hora do recreio das monjas. Ali, então, as viu cantar, dançar, conversar, e rapidamente se dirigiu a Teresa: "mas o que é isso? Onde está a entrega a Deus dessas monjas?". E ela, com muita sagacidade, respondeu: "meu senhor, a entrega está aí, pois são momentos como esse, de recreio, que ajudam a essa vida tão difícil se tornar um pouco mais suportável".

Da mesma forma que a acidez da química, que controlada faz muito bem e descontrolada pode matar, assim a acidez humana. Não é paradoxal a alegria do Carnaval e os problemas do mundo, e os ácidos descontrolados, em sua obsessão pelo negativismo, querem anular os efeitos da alegria com muita e muita treva e tristeza. Um local de trabalho, um curso a ser feito ou um momento qualquer que deixe a alegria ser sufocada pela preocupação do mundo torna tudo isso insuportável, difícil de engolir, cinza. Sim, há cinzas (aliás, chega já já a Quarta de Cinzas), mas essas cinzas cotidianas que nos causam inconformismo não precisam ser sinônimos de amargor, acidez extrema. O que temos de saber fazer é tirar de cada momento a alegria e o amor que fará com que ganhemos forças para adocicar e exterminar esses momentos amargos que estão aí. O Carnaval, os foliões, os colegas de trabalho, nós mesmos não temos por si só culpa pelas mazelas do mundo ou nossas tragédias pessoais. Aliás, talvez várias dessas tragédias tenham acontecido por gente que nunca soube ver outras cores além do cinza, nos ambientes por onde passam. O ácido demais é chato, chateia os outros, e ao invés de ajudar, só leva pra baixo as lutas e o ambiente onde estamos.

Aproveitemos esse Carnaval e os próximos dias para saber dosar o pH de nossa acidez. Alegrando-se e espalhando alegria por onde estivermos (sem com isso chutar pra longe os valores que temos, transformando a folia em libertinagem), utilizando essa pausa para descanso como um trampolim para fazermos um mundo melhor, mais aconchegante de se viver, mais otimista. A alegria do Carnaval e das coisas que fazemos não é inversamente proporcional a uma postura séria, de cobrança e de ação contra as injustiças. Pelo contrário, que pulem e se divirtam mesmo, sem dor na consciência, esses que lutam por fazer acontecer nesse planeta e que não cederam á acidez chata daqueles que, como a raposa do desenho, só sabem reclamar, e nada conseguiram com seus chatos brados, enquanto que quem agiu de verdade, com alegria e seriedade equilibrados, fizeram e aconteceram.

E aí, folião ou não-folião: em que pé está o seu pH? Ácido e amargo demais? Adocicado e adstringente demais? Ou está prezando pelo pH em equilíbrio, como dito acima? Espero que estejas nessa última opção.
          
São Paulo, 18/02/2012. W.E.M.

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