quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Crônica - Ano V - Nº 177 - "O 'fake' e o natural"

Eu confesso que já fui mais tolerante aos pagodes. Cresci ouvindo, tenho CDs, na minha playlist não faltam bons pagodes pra espairecer. Mas houve uma crise recente na criatividade, e hoje encontramos uns pagodes pra lá de melosos, duros de ouvir.

No entanto, um me chamou a atenção recentemente, quando meu pai ligou o rádio no último volume como todos os Domingos de manhã (afff...) certo dia desses. O refrão do pagode dizia em alto e bom som: "deixa acontecer naturalmente". E essa frasezinha de um pagode comum levou à reflexão presente nesta crônica.

Um termo que virou contraponto do "naturalmente" é o chamado "fake" (falsificação, em inglês). Virou febre chamar de "fake" tudo aquilo que foge do verdadeiro ou natural: um vídeo fake, o namoro fake, a banda fake (meu irmão certa vez, ao ouvir uma banda, disse na lata: "esses caras são fake, estão imitando a banda x."). O mundo e nós mesmos andamos mais "fakes", forçando a barra para criar a uma situação ou sentimento inexistente, só de mentira, pra agradar fulano ou ciclano, sendo "político" com eles.

Com o mundo dinâmico em que vivemos, o ser humano perdeu boa parte de duas virtudes importantes: a paciência e a naturalidade. Com o dinamismo dos objetos, sentimentos, ações (fast-food, fast-shop, fast-grill...), cada vez mais queremos as coisas pra ontem, nem que pra isso seja necessário queimar etapas, ou dar passos em falso. Comer devagar, dar um passo de cada vez, pensar antes de agir ou falar, para muitos hoje é sinônimo de moleza, omissão, ser "bunda-mole". Perdeu-se o prazer de esperar o momento certo: é preciso agir, correr, até mesmo ser quem você não é para cumprir prazos e conseguir objetivos. Ou seja, ser "fake", ou fazer algo "fake", em nome da vitória ou do agradar a "a" ou "b".

Os homens mais sonhadores e impacientes (eu sou um sonhador, e por determinados assuntos impaciente) acabam por correr mais risco de ser "fake": em nome do sonho, atropelar etapas, atirar como se fosse o último cartucho na pistola... ao invés de deixarem as coisas correrem com simplicidade e naturalidade. E como resposta, sonhos não realizados... pelo simples fato de se pensar lá na frente, objetivar, articular sonhos mil... e esquecer da realidade à frente, de ser si mesmo.

Que tal o convite a revermos os nossos hábitos? Sermos menos "fake", e mais naturais, nós mesmos? Fugir das situações imaginárias, e abrir os olhos para o que está ali, natural diante de nós que se for levado a sério, vai levar exatamente aos mesmos objetivos que a situação fake que imaginamos poderia levar. Só que com uma grande diferença: o natural vai levar mesmo ao objetivo concretizado, enquanto o fake só vai nos deixar só com a sensação desses objetivos, sem o gosto real, mas virtual, tal qual essas máquinas que surgiram por aí dando garantias de imitar o gosto do chocolate ou a essência do perfume no computador. Podem até imitar a essência, mas não será o real, a essência.

Como diz o pagode, deixemos nossos sonhos e focos acontecerem naturalmente, sem pular etapas ou sendo quem não somos (obs.: isso não é a mesma coisa que ser comodista. O comodista fica parado, mudo; o que vive a naturalidade age da maneira que tem que agir em cada situação sendo ele mesmo, sem pressa e sem pausa). É dessa forma que depois, quando esses sonhos se materializarem, serão mais firmes que a rocha, ao invés de serem ilusões passageiras que agradam num átimo, mas depois viram fumaça e uma trama de mentiras com os outros e conosco próprios.

E funciona, viu... palavras de quem, sim, já por vezes foi "fake" na vida (e ainda de vez em quando acaba sendo - malditas recaídas...), e que teve (e vem tendo) seus êxitos justamente ao viver a naturalidade dos dias e de si mesmo. Naturalidade esta que é o grande propósito e objetivo pra esse 2012 (e que é pedido para mais um aniversário que se avizinha): cada vez mais "deixar acontecer naturalmente" ;)
   
São Paulo, 02/02/2012. W.E.M.

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