domingo, 11 de setembro de 2011

Crônica - Ano IV - Nº 167 - "Entrega"

O esporte brasileiro vibra com a vitória do basquete masculino, que depois de 15 anos está nas Olimpíadas. Uma vitória especial por diversos aspectos, mas com um em destaque: a entrega destes jogadores.

Os jogadores dessa seleção de basquete tiveram várias privações. Dois meses confinados em treinos, longe da família e de todos, com preparo psicológico intenso, pois sabiam que a seleção há tempos não mostrava um bom basquete e teria adversários duríssimos pela frente. Viu jogadores da NBA usarem desculpinhas e se esquivarem de defender a seleção, e chamou novatos a se aventurarem na empreitada. Sem falar que jogariam na terra do arquirrival time da Argentina, com todos os jogos tendo por fundo estrondosas vaias. E mesmo assim foram lá, e realizaram seu sonho, calando tudo e todos. Se entregaram, e conseguiram.

Entregar-se: é ter raça, suar a camisa, correr atrás, entre outros.  Vitórias épicas, descobertas, conquistas pessoais só se materializaram após o suor da camisa e entrega, que justamente as valorizam mais. Algo que vem fácil demais pode ir fácil, e tem valor minimizado diante daquilo que veio na base da unha e do muque.

Entretanto, os dia$ ou diazzzz (com cifrão e/ou letra "z", mesmo) atuais vêm difundindo a mística do fácil, do "jogador na banheira", que só faz gol ou cesta se receber a bola no pé ou no garrafão. É muito comum ouvir desculpas como: "só dou uma boa aula se tiver as condições adequadas"; "só leio este livro se for rápido de ler e ter figuras"; "quando eu comprar um computador eu faço essa tarefa"; quando eu morar mais perto do trabalho, eu chego na hora", e assim vai. O mundo está se desacostumando a fazer omelete sem ovos, a ficar com o rabo entre as pernas diante de uma situação adversa... a transformar momentos de solução em choro de leite derramado. Já pensou se a seleção de basquete trocasse sua entrega por uma desculpa do tipo "quando se classificarem seis seleções e o Pré-Olímpico for no Brasil, a gente passa"? Será que o milagre iria acontecer?

Milagres, façanhas, viradas só são possíveis para quem está disposto a vestir a camisa da empreitada e se entregar. Mente, mas mente feio, quem é adepto de frases como "não tem mais jeito", "é impossível", "nunca mais", "jamais terei". Mais do que mentir, na verdade pessoas que se escondem por trás dessas expressões podem estar querendo justamente mostrar uma anti-entrega e salto-alto que pode custar a eficácia e os sonhos de muitas outras pessoas. Não é só Hércules que teve desafios pra vencer diariamente: eu tenho, você tem, todos temos, e muitas coisas grandiosas dependem diretamente da raça que temos para encarar esses desafios. Uma sala de aula difícil? Pilha de relatórios? Trânsito? Dívidas? Problemas familiares? Estão aí, ao alcance da mão. Mas das duas, uma: ou olhamos esses desafios e os encaramos com a fúria de um lutador de UFC, que amedronta seus adversários... ou sentamos trêmulos num canto pra chorar e fazer um trabalho medíocre por "culpa" desses mesmos desafios.       

Tiremos lições da seleção de basquete, que sabia do furacão que iria se meter, mas não correu de ir para o olho dele. Se entregou, fez o que pôde e o que não pôde, teve derrotas, mas nem por isso usou elas como pretextos para não chegar ao seu objetivo. Se temos objetivos, fáceis ou difíceis, peguemos o porrete e vamos para cima deles, com raça, entrega, concentração, "fúria". O mundo, a vitória de hoje e amanhã (e a Vitória final) pertencem àqueles que lutaram até os 49 do 2º tempo: para esses não há impossíveis, porque justamente tem entrega. Pode até ser que não venha a vitória tão cedo para essas pessoas (e desistir não é com elas), mas ninguém jamais terá coragem de encará-las com o dedo em riste, acusando-as de não ter agido. 

Já deu a última gota de sangue por isso que sonha, com entrega? Ou tá aí, ainda olhando para o Céu, como bem acusou o Anjo, no primeiro capítulo dos Atos?

São Paulo, 10/09/2011. W.E.M.

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