É interessante observar que o brasileiro não deixa passar batido o tema do "depois". Nas telas de cinemas, nas capas de revistas e mesmo em novelas, está em voga a questão do espírito ou, para ser mais exato, do espiritismo. Hoje o Brasil, além de ser o maior país católico do mundo, já é o com maior quantidade de adeptos da doutrina kardecista, com cerca de 20 milhões de pessoas. Os livros sobre o tema são muito comuns de serem vistos nos ônibus e metrô por pessoas que conhecem ou não o espiritismo. É essa sede do "depois do túnel": numa vida tão suada, de tanta correria, o que me espera? Daí a busca por tantos brasileiros por respostas.
Tenho uma rede de amigos muito próxima e adepta da doutrina kardecista. É louvável ver o trabalho voluntário que fazem, e sua sede pelo depois, sua busca por paz e mensagens: tenho um respeito enorme por todos eles e pela doutrina. Entretanto, o que gostaria de comentar nessa crônica é algo que comentei com um desses amigos, certa vez: não seria muitas vezes a doutrina utilizada como válvula de escape para os problemas e tropeços de nossa vida? Há algumas pessoas que conheço que já não jogam as fichas nessa vida, mas na próxima, seja encarnado num homem, mulher, árvore ou papagaio (obs.: com certeza esses meus amigos não veem o espiritismo dessa forma). Acham que tudo bem, que venha a próxima chance! Ou seja, que depois do túnel a estrada começa toda outra vez.
Eu creio que, na verdade, ao invés de já pensar no final do túnel de nossas vidas, seria bem mais interessante pensar na estrada de agora, já. Confiar que é essa a chance, é nessa vida nosso arremate, e ponto final: que é necessário fazer valer a pena aqui, agora (parafraseando o antigo telejornal). Infelizmente a minha percepção é de que muitos dos que hoje prestigiam essa visão do "depois" queriam, se fosse possível, se livrar rapidinho desta vida e embarcar em um conto de fadas de uma próxima chance, uma próxima vida. O que é errado.
Quando paramos para ver nossos dias, desde o primeiro até agora, veremos muitos momentos mais bons do que ruins. Só o fato de já termos nascido já é um motivo de alegria eterna... imagine então os motivos de riso, de luta, de compartilhar e perdoar, de amor que demos ou recebemos. Mesmo os motivos de lágrimas, que talvez nos tenha feito aprender tanto. É uma vida única, um dom irrepetível. Vi recentemente um vídeo de uns garotos de uma comunidade muito pobre dançando, rindo à toa e pondo os problemas que com certeza viviam no bolso. Isso é para mostrar de como essa nossa vida, única, irrepetível, é e será a única de nossas arenas de combate, onde vamos atuar uma única vez, e deixaremos como herança eterna ou uma vida que valeu a pena, ou um inferno para nossos semelhantes. Não creio que haverá vida post-mortem que apagará ou sucederá o que fizemos aqui. E, sim, creio que há, sim, um "depois do túnel", mas não mais aqui, carnal, mas espiritual, ao lado de Quem nos criou, Deus. Vamos, sim, ajudar quem estiver aqui, mas já intercedendo de alguma forma pelos daqui junto ao Chefe. Quer mais?
Portanto, que tal primeiro apostarmos na vida de cá, a nossa vida, com nossa identidade, história e acontecimentos, e deixar que depois da curva do túnel nos venha a Eternidade? Nossa vida e a vida de cada um já daria belos livros, histórias e capas de revista com toda certeza. A hora é essa, de fazer acontecer nesse exato instante em que você talvez esteja lendo essa crônica. E não esperar por uma melhor oportunidade em outra vida.... mesmo porque, a vida é essa: caminhar em direção à Vida definitiva, depois de tantas histórias.
São Paulo, 05/05/2010. W.E.M.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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