terça-feira, 6 de abril de 2010

Crônica - Ano III - Nº 123 - "Nel bel mezzo della strada"

O título da crônica remete a uma expressão utilizada pelos italianos, para falar quando estão no meio de algum acontecimento, ou algo corriqueiro na vida. "Nel bel mezzo della strada", traduzindo: bem no meio da estrada.

Outro dia estava eu em conversa com um amigo meu, que é médico. Ele me falava sobre alguns "podres" da profissão, do cansaço dos últimos dias, das dificuldades. Ele se perguntava: não poderia ser mais fácil, sem tantos rolos, essa vida nossa de cada dia? Não me esqueci do desabafo dele, e resolvi comentar em forma de crônica, hehe.

Utilizei a expressão "nel bel mezzo della strada" justamente por essa ser a situação do ser humano. Estamos, em cada dia que amanhece, no meio da estrada, no meio do comum e corriqueiro, sujeito a tempestades e bonanças. Vi em um filme que uma rosa, por mais que tenha beleza, vem acompanhada pelos feios e doloridos espinhos. Enfim, não vivemos esta vida como num parque de diversões ou na famosa "ilha da fantasia" do seriado de 30 anos atrás. Temos de encarar os berros dos alunos, os chefes chatos, o trânsito, os empurrões no metrô ou ônibus, mas também encaramos as risadas no horário de almoço, o carinho dos alunos e colegas de trabalho, o boa noite gostoso de nossa mãe, a goleada do time de futebol, e por aí vai.

A diferença para se estar bem "nel bel mezzo della strada" está na forma com que a encaramos. Podemos visualizar essa estrada agora: terra batida, buracos, trechos bons e de mão dupla, trechos sem acostamento. A primeira alternativa é olhar pra estrada e dar meia-volta para ir procurar uma estrada perfeita, asfaltada do início ao fim, estilo Anhanguera. Nada de dificuldades, o negócio agora é ficar no bem-bom, sem tropeços, sem correr riscos, sem sujar o carro.

Vamos à outra alternativa: seguir pela estrada, mas com chateação e resignação, no espírito de "fazer o quê?". Vamos lá encarar as dificuldades e obstáculos, mas com tristeza, sem vontade, levando. É um cara que vai chegar ao fim da estrada com o carro arrebentado e vai chorar, lamentar, sem ver nenhuma paisagem agradável ou alegria em ter percorrido a estrada.

Agora, a terceira opção: olhar para a estrada acidentada tal qual um piloto de rali. Ciente dos buracos e obstáculos, vai lá com a cara e a coragem, e joga o carro na estrada, na lama e pântano. Cai no buraco, tira o carro de lá e segue, passa por belos trechos e paisagens deslumbrantes, vias asfaltadas e de terra batida, até chegar ao destino. E, quando chega ao destino, sai do carro com um sorriso de orelha a orelha, com sensação de dever cumprido, erguendo o troféu. Vi isso uma vez em um programa esportivo, num rali mega difícil. Lá saía o piloto, feliz da vida por estar sujo de barro, mas também por ter conseguido transpor os obstáculos e ter histórias pra contar.

Esse último exemplo de como percorrer a estrada me parece o mais agradável e compensador de se estar "nel bel mezzo della strada" da vida. Os obstáculos, os jogos mais difíceis, a vitória na última volta tornam os feitos inesquecíveis, e a vida menos modorrenta. É muito mais valoroso quando lutamos e suamos a camisa pelos nossos sonhos e nossa caminhada do que quando recebemos o prêmio de mão beijada. Uma vez li que os oficiais condecorados não são aqueles que ficaram atrás da moita, só no bem-bom, mas sim os que foram pro pau e voltaram feridos, com cicatrizes. Eis a forma de encararmos a estrada da vida: com pedras, mas também com alívios que, equilibrados, tecem uma vida bem vivida.

Ao ler esta crônica, talvez estejamos chateados com o trabalho atual, com problemas familiares, não querendo que o dia novo comece, ou querendo que o dia acabe logo. Ou então, vivendo uma fase fantástica, cheia de conquistas e sonhos. Eis a vida, o estar "nel bel mezzo della strada"com sol e/ou temporais. Mas o mais importante: vivendo, dançando com a vida. Que será generosa, para os que se dispuserem a dançar ou caminhar "nel bel mezzo della strada" com ela.

São Paulo, 06/04/2010. W.E.M.

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