domingo, 27 de setembro de 2009

Crônica - Ano II - Nº 97 - "Passagem obrigatória"

Esta crônica se inspira e tem o intuito de homenagear de alguma forma meu querido primo Anderson, que faleceu na última quinta-feira, devido a um câncer.

Antes, preciso contar algo que mostra bem a ação da Providência Divina: na quarta-feira pela manhã, estava eu em casa (já ciente da doença de meu primo e rezando por ele), quando recebo o telefonema de meu pai que, acompanhado de minha mãe, foi visitar meu primo. Ele me colocou a par do estado de saúde dele, que estava bastante debilitado. Combinei de ir visitá-lo na sexta-feira pela manhã, pois seria um horário sem aula. Mas logo que pus o pé na rua, senti uma voz ao pé de meu ouvido dizendo: vai hoje, agora!. Ainda por cima, no livro que uso diariamente para fazer minhas orações, o tema era a importância da visita aos enfermos. Não tive dúvida de que veio uma ordem lá de cima para eu ir visitar meu primo.

Na visita pude constatar o que meus pais viram pela manhã. Meu primo me reconheceu, pude olhá-lo e conversar um pouco com ele. Vi o sorriso em seu rosto, e saí do hospital também sorrindo, pois vi o carinho com que ele estava sendo cuidado por meus tios e todos, a visita que ele recebeu de parentes e amigos (era o paciente mais visitado no hospital), e soube que ele recebeu os últimos sacramentos.

No dia seguinte, ao cair da tarde, ele faleceu. Soube da notícia assim que cheguei em casa, na madrugada de sexta. Na sexta mesmo foi o sepultamento. Todos bastante abatidos, claro. E me marcaram as palavras que o sacerdote comentou na homilia de despedida: ao terminar de receber a Unção dos Enfermos e confessar-se meu primo, com uma serenidade invejável, disse: "agora sim deixei tudo resolvido por aqui e posso ir sossegado". Ali meu primo captou a necessidade da passagem obrigatória, antes de entrarmos no Céu, pela porta do Sofrimento.

Em nossa vida os maiores tesouros, direta ou indiretamente, vieram de um sofrimento anterior: horas de estudo ou trabalho, esforço físico, suor, lágrimas. Nem mesmo Cristo se poupou de sofrer, para mostrar o quanto ele faz parte de nossas vidas: abraçou a Cruz, os xingamentos e cusparadas, foi valente, pra cima. E, mediante essa visão sobrenatural do sofrimento, abriu-nos as portas do Céu com sua morte de Cruz.

Da mesma forma, para alcançarmos este tesouro do Céu, faz-se necessária a passagem pela porta do Sofrimento. Mais cedo ou mais tarde, jovem ou idoso, chegará a nossa vez, tal como chegou a de meu primo. Minha mãe, no cemitério, lançou-me a pergunta: "puxa, por que a gente não passa pro Céu de forma diferente, alegre, sem deixar os outros tristes?". De fato, a passagem de um ente querido deixa em todos os corações sentimentos de tristeza, luto, e em alguns casos até revolta.

Porém não há maior sinal da ação divina do que o sinal da Cruz, do Sofrimento, inclusive na hora da morte. Ele, ao nos dar esse cálice, confia em nossa capacidade de bebê-lo. Deus permite esse sofrimento da última hora por saber que, ao encararmos de frente essa dor, abre-se uma oportunidade única de corredimirmos com Cristo, de sentir o sinal da Cruz como Ele sentiu. Ver de maneira sobrenatural a Morte e o Sofrimento traz-nos na alma sentimentos de paz e alegria: primeiro, pela alegria da entrada no Céu (já imagino a recepção calorosa que meu primo deve ter recebido lá em cima). Segundo: por saber que todo o doloroso processo levou a muitas obras boas nos corações de muita gente, que só saberemos no Céu. Passaram pelo quarto e pelo velório de meu primo diferentes pessoas, mas todas com algo em comum: deixaram aos pés dele sentimentos ruins, brigas, indiferença, e levaram desejos de serem pessoas melhores.

Assim, a lição que meu primo deixa é: serenos! O sofrimento dessa passagem é sinal certo de que se encontrou a Jesus. E Ele, juntamente com uma galera que já passou pela porta da dor (inclusive meu primo), irá nos recepcionar quando chegar a hora.

Então, até daqui a pouco, primão! Obs.: tô sereno como você pediu pra nós, tá?

São Paulo, 27/09/2009. W.E.M.

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