segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Crônica - Ano III - Nº 113 - "O Haiti daqui"

A semana começou com um acontecimento que deixou o Brasil e o mundo abalados: o terremoto no paupérrimo Haiti deixou mais de cem mil mortos e milhões de feridos. O país ficou aos pedaços.

Ao mesmo tempo, todos nós ficamos abalados, como se um pouco da gente estivesse embaixo dos escombros, num misto de impotência e vontade de ajudar, e um agradecimento do fundo do coração aos céus por não estar passando por uma situação tão dramática. Muitos irão pensar duas vezes antes de reclamar da vida ou dos caprichos, ao trazer à mente a cena do caos instalado naquele país. No meio disso tudo, uma indagação: o que posso fazer pelo Haiti? Como vencer a impotência e tristeza com a situação do mundo? Como posso fazer a diferença, tal qual algumas pessoas que foram vítimas da tragédia?

Para responder à questão, coloquemos os pés-no-chão. Também no início do ano, vimos em nosso próprio quintal os desastres de Angra e São Luís. Anualmente, na Retrospectiva, não faltam desastres no Brasil e no mundo que nos trazem sentimentos semelhantes aos aflorados nessa semana. Temos roupa suja para lavar em nosso quintal: nessa semana, lendo o jornal, vi que uma famosa cantora, ao comentar sobre o acontecido no Haiti, polemizou via Twitter: "é importante não esquecer do Haiti que temos aqui em nossa terra natal". Concordo com ela em gênero, número e grau. Muitos, numa atitude de "solidariedade", irão somente olhar para os problemas a serem sanados naquele país, e simplesmente esquecer dos que devem ser sanados aqui. Irão chorar com os desabamentos de lá, e ficar indiferentes com as mutretas e desastres daqui. Temos um imenso Haiti para ser resolvido em nossa pátria, e resolvendo o daqui teremos mais propriedade para ajudar de forma mais consistente o legítimo.

Outra atitude fundamental é não cair na "solidariedade de temporada", de pessoas que só param para olhar o próximo ao se deparar com a notícia de uma tragédia no jornal, e vão correndo assinar um cheque donativo de sei-lá-quantos reais para ficar de bem consigo mesma. Logo depois, esses mesmos indivíduos voltarão para o conforto de suas trapaças, do ódio familiar, da traição à esposa ou esposo, da frieza. Do que irão adiantar milhões de reais doados, quando não se cultiva à volta um ambiente de fraternidade, de esperança, de solidariedade com os mais próximos? A legítima solidariedade não aparece somente em temporadas de desastres ou de Criança Esperança: ela aparece logo ao nascer do sol, quando damos um bom dia para a primeira pessoa com que nos deparamos. Do contrário, se somos daqueles que mandam donativos para longe e bananas e xingamentos para os que estão mais próximos, estaremos assinando não um atestado de solidariedade, mas de egoísmo e hipocrisia.

As pessoas que fazem a diferença nessa terra de cá sabem das atitudes mencionadas acima. Olham para os problemas do Longistão, mas priorizam os que estão a seu alcance. Não caem em filantropia de esquina, antes se doam com gestos e ações ao primeiro que veem pela frente. E tem mais: além de trabalhar em silêncio, sem esperar medalhinhas, estão cientes de que a diferença é feita diariamente. É uma lição que tomamos para nós: podemos fazer um mundo muito melhor no ambiente em que vivemos. Cada um fazendo a parte que lhe foi incumbida: sendo um bom estudante, profissional, filho/pai/mãe/irmão. Sendo um amigo de primeira, um namorado (a) fiel, enfim... fazendo a diferença onde estivermos. Se o mundo chora a desigualdade em todos os âmbitos, é justamente pelo fato de ainda existirem pessoas que querem fazer a diferença... para pior. Já parou pra pensar o que seria o mundo se cada um fizesse com maestria a sua parte de bem incumbida? Misérias como as vistas no Haiti seriam riscadas do mapa.

Que a brasa de nosso coração não se apague quando as notícias do Haiti sumirem dos jornais. O Haiti, aliás, os "haitis" estão também ao nosso redor, cobrando que nós façamos a diferença durante os 365 dias do ano.

São Paulo, 18/01/2010. W.E.M.

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