domingo, 26 de abril de 2009

Crônica - Ano II - Nº 75 - "Revolução"

Durante esta semana, uma barulhenta assembleia feita pelo DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP decidiu por uma medida drástica, para que os direitos do DCE fossem respeitados: uma ocupação do prédio do atual DCE. Aproveitei minha estadia na USP naquela fria madrugada, para visitar a ocupação.

Tive várias conversas, como de praxe, mas uma me chamou a atenção: conversei com uma garota que fez uma imensa propaganda revolucionária para meu lado. Falou sobre o perigo burguês, o direito dos trabalhadores e das mulheres, do "ópio do povo", entre outros assuntos que por muitas vezes não concordei (principalmente quanto à questão do aborto, que ela apoiava).

Houve um assunto, entretanto, que concordei com ela, que foi o da revolução. Sim, de fato precisamos fazer uma revolução em diversos setores. Educação, saúde, trabalho, o valor do homem, da mulher, dos idosos, dos deficientes físicos, da família e por aí vai. Mas antes de tudo isso, uma primeira revolução: a de nós mesmos.

Naquele mesmo ambiente, infelizmente vi muitos acharem que estavam militando pela causa enchendo a cara e queimando sem qualquer pudor cigarros de maconha. Outros também achavam-se revolucionários, porém promoviam a invasão estando em pé-de-guerra com a família ou comportando-se como imensos solitários, não cultivando amigos ou valores entre os que o cercam. Entre essas pessoas, estava essa companheira com que conversei, neste último caso.

Tenho muitos amigos que militam por esse tipo de causa, e confio em suas boas intenções. Causas nobres foram defendidas por seus movimentos, e inclusive o movimento do DCE citado também fala de causas justas. O complicado é quando se coloca estas "causas operárias" antes dos amigos, dos familiares, da pessoa amada, das virtudes... de si mesmo.

Um bom ponto para identificarmos um verdadeiro revolucionário está na serenidade. O verdadeiro revolucionário é sereno, não varre para baixo do tapete pendências com seus próximos, não se utiliza da violência, tem valores, sabe tal qual falar, ouvir. Já o falso revolucionário somente se agarra na bandeirinha da causa ou partido. Trêmulo, se segura na culpa da burguesia ou do ópio do povo pela desigualdade. Grita antes de conversar, e mal te dá oportunidade de falar. Está num verdadeiro inferno astral com aqueles que deveriam ser seus entes queridos e são carrancudos e solitários, tendo ao seu redor não camaradas, mas cabide para colocar a bandeira, e por aí vai.

Esses pseudo-revolucionários, se querem tornar-se revolucionários "de facto", tem que primeiro revolucionar a própria alma. Colocar uma semente de paz e justiça verdadeiras antes de vestir a camisa da causa. Olhar antes das leis trabalhistas àqueles que deram origem a essas leis. Defender a vida e a dignidade, preferindo a solidariedade ao derramamento de sangue. Transmitirem serenidade, pois é por ela que os outros o levarão a sério. E tantos outros detalhes que só o "camarada" mesmo poderá detectar, mediante um profundo exame de consciência.

Pra revolucionar de verdade é preciso atrair novos "camaradas" pela bandeira da virtuosidade, e não por meio da promiscuidade, embriaguez ou overdose, bem como quebra-quebras ou xingamentos e caras amarradas. Paz e justiça só aparecem pela presença de homens de fibra, que não chutam a honra ou os menores valores da vida por criticismos exacerbados, discursos eternos e frases feitas. Aí, talvez, esteja um dos erros dos grandes pensadores revolucionários, como Marx, Gramsci, Fidel, Che: pôr as armas no cabeçalho do discurso, e não as almas.

Sejamos guerrilheiros com a arma da alegria, do senso de justiça, da coerência. Pois apostar na revolução da libertinagem, como muitos dos atuais revolucionários vêm fazendo, só levará a uma coisa: o riso e a ironia dos transeuntes, como pude já constatar naquela noite.

São Paulo, 26/04/2009. W.E.M.

3 comentários:

disse...

Revolução interna, certo?
"Consertar" primeiro o que está errado bem dentro, perto, em casa pra depois olhar o que acontece no vizinho, no bairro, no mundo.
=)
O problema é que olhar pra si é bem difícil. Mudar-se, então, ixi... dá um trabalho!! (rs).
Beijos, Wanderlei.
Lindo texto.

André Henriques disse...

Puxa, Wanderlei, mas um texto que eu identifico também bastante coisas do que penso.

Enfim... já disse uma das grandes cabeças brasileiras dos anos 80 e 90, Renato Russo... "consertar a gente primeiro, ajuda pra caramba"

Prof. Wanderlei Evaristo de Mattos disse...

Mô: ô se é difícil. Mas se não sentarmos pra conversar conosco próprios em primeiro lugar, conversar com os que estão ao redor será tarefa bastante complicada. Não diria "mudar-se" de uma hora pra outra, mas antes "conhecer-se". Bjão e obrigado!

Andrézão: opa, valeu! Antes de palpitar sobre a grama do vizinho é bom atuarmos sobre a nossa! Aí teremos mais propriedade e, como diz um velho comercial, "experiença" na hora de revolucionar esse mundão de Deus! Abraço!

Valeu, amigos!